Quando, em 1990, comprei esta casa e trouxe cá a minha família, toda a gente viu uma casa velha e que ficava "no fim do mundo". A minha visão era completamente diferente. De carro, demoramos menos de cinco minutos a chegar ao Funchal, de autocarro 10 e a pé nuns 20 minutos chegamos ao centro. O acesso à via rápida fica a dois minutos de casa. Que mais pedir?
Quanto ao ser velha... É certo que é uma casa antiga, mas bastou pintá-la toda de novo, cimentar a entrada para o carro e a visão da minha família mudou completamente. Apesar de defenderem que deveria ter deitado umas paredes abaixo para construir espaços mais largos (coisa que nunca pensaria em fazer, porque uma das coisas de que gostei foi, exactamente, desta compartimentação que me permite ter um espaço dedicado a cada função), a casa passou a ser "um grande negócio!". E até foi. Comprei-a por nove mil contos e um ano depois já me ofereciam 15 mil. Respondi, a brincar, que só a vendia por 20 mil e a pessoa interessada respondeu imediatamente: "Tenho comprador." Quando vi que a coisa era a sério, respondi que não a vendia por preço nenhum.
Adorei a casa desde o primeiro instante. Não vi o que ela era, naquele momento. Vi o que poderia ser. Sonhei que, um dia, encontraria um homem com quem a partilhar. Com o elevado preço dos terrenos, imaginei que, num futuro distante, meus filhos quereriam construir aqui as suas casas. Bastaria subir um andar na casa principal para fazer dois T1 ou, então, construir aí uma das casas e reconstruir esta ruína (na foto) que consta da planta da casa, para outro dos filhos. Daria aqui um lindo duplex.
Hoje, essas ilusões já não têm razão de ser. Meus filhos cresceram e preferem ser "independentes". Cada um deles sonha em ficar com a casa, mas se fosse só deles. Como não estou a pensar morrer tão cedo e como imagino a dificuldade que teriam em decidir a qual deles caberia a sorte de cá ficar, não vejo que os seus sonhos se realizem.
A verdade é que, com tudo isto, esta casa perdeu, para mim, muita da sua razão de ser. Não me imagino a viver aqui sozinha, perdida nas suas 10 divisões (cozinha e casas de banhos incluídas, já para não falar na "loja" que tenho no exterior, onde tenho a lavandaria).
Só que não estava sozinha. Parte do sonho ainda existia e, então, à força de muito trabalho, fui construindo o jardim. Sonhei que este ano teria possibilidades de reconstruir a ruína, não para fazer um duplex, mas para criar ali uma zona de churrascaria fechada, onde se pudesse estar no inverno. Sonhei que conseguiria, finalmente, retirar a rede e construir um muro bonito, desde a entrada até ao miradouro. Sonhei com um novo portão e com um muro feito de pedra emparelhada, bem à moda da Madeira. Imaginei que era desta vez que iria decorar os mais de 21 metros quadrados do terraço, para ali fazer uma outra zona de estar.
Dizem que "o Homem sonha e a obra nasce", mas nem sempre é assim.
A minha vida deu uma volta tão grande que, neste momento, só tenho uma certeza: este será o último Natal que passarei nesta casa! A imagem da tenda partida parece-me uma daquelas linhas tortas com que Deus escreve, para me dizer que "a casa foi abaixo". A certeza bateu tão fundo que, nestes últimos dias, dei por mim a pensar se valerá a pena continuar a lutar pelo jardim, pela casa, pelos meus sonhos perdidos. A resposta é só uma: tenho de a deixar bonita para quem vier a seguir!