20 junho 2006

"Casa da canalha"


Aqui há uns anos atrás, eram para aí umas nove da noite, estava eu a ver televisão quando comecei a ouvir vozes anormais nesta zona. É um sítio sossegado. O barulho parecia vir de muito perto. Fui ver. Em frente ao portão, uma mulher gesticulava, furiosa. Não consegui perceber o que dizia, aproximei-me e perguntei em que podia ajudá-la. Para minha surpresa, virou-se para mim, irada, e lançou-me com aquela frase: "Isto é a casa da canalha!" E continuou: "O meu filho é que não há-de cá pôr os pés!"

Pelos vistos não sabia que o filho era um dos frequentadores da casa!

Fiquei chocada, mas respondi-lhe delicadamente que nem eu, nem ninguém da minha família era canalha e que os miúdos que cá entravam tinham de ser respeitados. A finalizar, acrescentei que nunca lhe tinha feito mal e que não admitia ser ofendida na minha própria casa. Cumprimentei-a e vim-me embora.

Dias depois dei boleia à irmã dessa senhora e confessei-lhe a minha tristeza pela reacção que ela tinha tido. "Quem me dera poder ir trabalhar sabendo que qualquer vizinho deitaria a mão aos meus filhos, caso lhes acontecesse alguma coisa, como eu tenho feito com os filhos deles", disse então. E expliquei que só deixava os miúdos vir cá para casa por não gostar de os ver todo o dia na rua, sem qualquer protecção ou cuidado.

Foi remédio santo. O filho da tal senhora continuou a cá vir.

A frase, no entanto, ficou. Acho-lhe piada. Estive até para fazer uma tabuleta e pôr no portão. Assim como se faz nas quintas. Esta é, de facto, a casa da "canalha", isto é, dos miúdos da rua. Marcou-os. Acho que nunca se hão-de esquecer dos tempos felizes que cá viveram.