15 dezembro 2006

Portão de bacalhau

Quando comprei esta casa, o portão era feito de rede, presa à tubagem que ainda hoje tem.
Na altura, um dos cães da vizinhança tinha por hábito diário vir "medir forças" com o pastor alemão que eu, então, possuia.
A "guerra" era de tal ordem que a rede do portão foi começando a ceder, quiçá mordida pelos dois animais.
Ainda andei a pedir orçamentos de portões de ferro, mas o seu valor, proibitivo, tirou-me logo a esperança de fazer a obra. Lá tive de me resignar a ir remendando a rede, com arame, desejando que, um dia, as finanças me permitissem concretizar aquele sonho.
Um dos vizinhos, serralheiro de profissão, disse-me um dia, com ar de desaprovação: "Oh, vizinha! Esse portão já não é para si!"
"Olhe, eu bem que queria outro, mas pelo preço que me pediram não será tão cedo que satisfarei esse seu desejo!", respondi-lhe a rir.
Com ar determinado, lançou-me o desafio: "Se a vizinha fizer uma fragateira de bacalhau, venho aqui com o meu cunhado e faço-lhe a parte de baixo do portão. Não precisa de pagar nada."
- Está a falar a sério?
- Claro! A vizinha que decida!
- Não sei o que é uma fragateira, mas hei-de descobrir. Não será nada que eu não consiga fazer.
E lá andei a perguntar como é que se fazia a tal da fragateira. Acabei por descobrir que é, no fundo, um género de caldeirada de bacalhau.
Avisei o vizinho, ele marcou a data e, no dia combinado, logo pela manhã, lá meteram mãos à obra, enquanto eu, na cozinha, ia preparando a fragateira.
Estavam eles todos deliciados a comer quando eu lhes disse: "Quando o senhor José me falou em fragateira, ainda pensei fazer um bacalhau com natas, mas, como não sabia se iam gostar..."
"Oh, vizinha! Não me diga que sabe fazer bacalhau com natas?! Eu e o meu cunhado, sempre que vamos a Lisboa, enchemos a barriga com isso. Adoramos! Olhe, se a vizinha fizer um bacalhau com natas, a gente vem cá, no próximo fim-de-semana e faz-lhe a parte de cima do portão!"
- Sério? Olhe que eu faço!, disse eu, já a rir-me com a ideia de que os meus dotes culinários me estavam a garantir um portãozinho novo.
- Está combinado!
Dito e feito e o portão, ainda hoje, assinala aqueles dois pratos de bacalhau! Posted by Picasa

19 Comments:

Blogger Ana Ramon said...

Mas que história tão curiossa :))
Quem diria que o bacalhau faz desse tipo de milagres, hem?

15/12/06 18:14  
Blogger anete joaquim said...

Lembrei-me da história por causa do natal. Do vosso, que o nosso é com "carne de vinha d'alhos". Nada de peixe nesse dia!
Bacalhau com natas, à brás, à Gomes de Sá, à lagareiro e até mesmo com batatas a murro ainda mal se vêem por aqui. Não faz parte dos nossos hábitos alimentares, embora a "importação" de alguns restaurantes já os tenha tornado conhecidos de alguns madeirenses.
bjs
PS: Não consigo é colocar o meu perfil cá em cima, outra vez. O tamanho do vídeo mandou-o para o fundo da página.

15/12/06 19:03  
Anonymous Anónimo said...

Que episódio tão apetitoso! ;)

Eu também já fiz (há cerca de 18 anos) um tratamento completo aos dentes e paguei-o com... pintura!!
As três versões de Webpage que tive e uma edição (design) de 3 cds, com alguns dos meus diários gráficos, ... também foi com pintura!

Bjs!
Ez

15/12/06 19:37  
Blogger Ana Ramon said...

Aqui nas Beiras, além do bacalhau e do peru, também entra o polvo na noite de consoada. Também já o faço: primeiro dou-lhe umas boas marteladas, com martelo a sério e no chão de granito, depois cozo-o e a seguir ponho num tabuleiro com manteiga e vai a gratinar no forno.É servido bem regado com o molhinho e salsa picada e com batatas a murro (é de facto um prato muito violento: polvo martelado e batatas esmurradas). O peru é que deixou de fazer a sua aparição na mesa.. em vez dele pode ser que surja um galito corado.

Se quiseres também posso trocar umas ovelhas por pinturas, ó ez

15/12/06 21:59  
Anonymous Anónimo said...

Boa noite Anete
Ainda estou muito atrapalhada com o trabalho mas quero dizer que a hisória pode ser mesmo encarada como um conto de Natal.
Deliciosa e que vizinho tão prestável.
Sempre o melhor

15/12/06 23:47  
Anonymous Anónimo said...

Só de vos ouvir (ler) a relatar os pratos e acepipes (sou mesmo vocabulo-pre-histórico...) até engordo!!!

Quanto às ovelhas, tivémos quatro, mas morreram de inchaço de tanto comer (durante três dias que não lá esteve ninguém) e também uma cabra e um bode, que viajaram até Mira, onde já se "desintegraram", acho eu!

As pinturas estão à disposição! Sou muito eclético quanto à forma de troca! Uma ou duas fragateiras, quatro ou cinco queijos, massagens, recitais, um bom tinto, um bom serão, qualquer uma destas coisas! :)
Assim gostem tanto das minhas pinturas como de boa boca tenho eu! LOL - GR - Gargalhada!

15/12/06 23:50  
Blogger João Navarro said...

Ena...
Mas que negócios já se fazem aqui?
Vou fazer a volta dos blogs já cá venho.
CN

16/12/06 00:12  
Blogger anete joaquim said...

Lá dizia a minha mãe que, quando cheira a comida...
Já tinha ouvido falar no polvo de Natal, em certas zonas do País, mas quando vivia em Lisboa isso não era usual.
Como já referi num post mais antigo, quando cheguei à Madeira institui a consoada na minha família. Como sei que aqui não é costume comer o bacalhau com couves no Natal, resolvi apresentar uma receita mais sofisticada. Passou a ser o meu bacalhau de Natal. Para desespero dos meus filhos, só o faço nesse dia. É feito às camadas: uma de cenoura e cebola, previamente raladas em cru e cozidas juntamente, com um pouco de azeite e depois juntas ao bacalhau cozido e passado no moínho (de moer carne); outra de fiambre moído da mesma forma. Vão-se alternando as camadas, unidas por molho branco. A última camada é de molho branco, salpicado com queijinho ralado e posto a tostar. Como somos cerca de 20 pessoas à mesa, resolvi introduzir uma inovação ao prato, fazendo uma primeira camada de puré de batata. Isso faz aumentar o volume do prato e liga muito bem. Depois, há sempre um prato de carne (que não é perú). A parte mais trabalhosa do prato de bacalhau é ter de moer cenoura e cebola em cru, principalmente a primeira. Todos os ingredientes (cebola, cenoura, fiambre e bacalhau cozido) têm de ser passados pelo moínho. Para tanta gente, já imaginam a quantidade?
Bem, espero ter-vos aberto o apetite para o almoço...

ez
Davam-me jeito umas ovelhinhas para colocar num terreno vizinho ao meu, e que fica sempre cheio de silvado e ervas daninhas, que têm sempre tendência a se vir meter no meu quintal... e tu deixaste morrer as tuas?!!!
E quanto aos teus "pagamentos" com pintura, bem que me podias ter contratado para te ajudar na cave!... Mas lá por causa disso, se quiseres ainda te mando um prato de bacalhau pelo correio. Pode ser que chegue a tempo da ceia de Natal.

mr
Como vê, cá estamos à sua espera.
A história do vizinho tem a sua origem no pai dele, que morava mesmo em frente à minha casa. Era um velhote muito mal-humorado. Quando vim para cá morar, cumprimentei-o desde a primeira hora. No princípio nem me respondia, mas eu lá fui teimando, perguntando como ia a saúde, falando do tempo... O homem vivia sozinho e passava o tempo no alpendre do quintal, a controlar o movimento da rua. Acabei por conquistar o coração do senhor e, de vez em quando lá ia fazer-lhe companhia, dar-lhe uma palavrinha. O primeiro gesto de "rendição" total do tal senhor foi convidar-me a entrar em casa para ver a "lapinha" dele, que era enorme e na qual tinha muito orgulho. Um dia, ao chegar a casa, chamou-me e disse que tinha uma coisa para mim. Ofereceu-me um cântaro em cimento, grande, que é aquele onde está plantada a minha manhã de Páscoa, uns posts mais abaixo.
Essa família tem um lagar, que fica mesmo em frente da minha casa. Na altura das vindimas, passam dias e dias a fazer vinho (sítio ideal para o ez e não só!!!). Achei piada àquela azáfama, que se estendia às vezes pela noite dentro. Nessas alturas, fazia uns petiscos (pastéis de bacalhau, moelas, ou qualquer outra coisa) e ia lá levar-lhes. Eles estranhavam, mas ficavam bem agradecidos com aquelas ceiazinhas inesperadas. Para mim, era uma forma de participar "nas vindimas".
Acho que foi mais pela gratidão pela forma como os tinha tratado (principalmente ao pai deles), do que propriamente pelos pratos de bacalhau, que o vizinho me fez o portão.
As pessoas daqui da zona são, na sua maioria, pobres. Não sei porquê, julgaram que eu era rica. Gosto de cumprimentar as pessoas (até cumprimento o motorista do autocarro, o que os deixa sempre surpreendidos!). Logo, cumprimento toda a gente por quem passo. Um dia, um vizinho disse-me: "Quando a vizinha passa, já tenho o dia ganho!" Fiquei admirada e perguntei porquê. "Porque a vizinha me cumprimenta e sorri!"
Moral da história: às vezes não damos valor a coisas simples, mas há sempre quem dê!
Um beijão

16/12/06 10:38  
Blogger anete joaquim said...

Agora achei mesmo piada! Estava eu aqui a contar esta história e telefonou-me a irmã que este ano tem a incumbência de fazer a consoada... a pedir-me a receita do meu bacalhau! Coitada! Nem sabe onde se vai meter!...hehehehe
Os meus filhos é que se vão lamber todos!!!!!

16/12/06 10:39  
Blogger Ana Ramon said...

Olá. Cá estou, mais pelo vício do que pela disponibilidade que neste momento não é nenhuma. Mas enfim...
Pois o polvo é usual comer-se no Natal (!) aqui pela zona centro do país. Mais para norte não sei se também têm esse hábito. Eu não acho muita graça a comer bacalhau cozido com batatas, couves e ovos num dia especial. Mas como todos o esperam, assim vai aparecer. O polvo gosto porque nunca o faço durante o ano e ainda costumo assar um lombo de porco recheado com ameixas secas descaroçadas e acompanhado com puré de maçã. Não sei se a ementa vai ser igual. mas o bacalhau e o polvo vão aparecer certamente.
Tenho uma amiga que vive em Barcelona e trabalha na véspera de Natal, não tendo por isso vagar para preparar os pratos da ceia e então resolveu o assunto de uma maneira curiosa: A ceia de Natal é fondue :)))))
Estou sempre a aprender
Até logo. Beijinho

16/12/06 15:13  
Blogger anete joaquim said...

Tenho uma surpresa para vocês, junto ao meu perfil (que, neste momento, se encontra no fundo da página do blog). Vejam os links.
Divirtam-se.
bjs

16/12/06 18:06  
Anonymous Anónimo said...

Boa noite
A Anete continua a surpreender.
E fico muito satisfeita com a sua solidariedade e a forma como cativa as pessoas.
São verdadeiros contos de Natal.
Ando a pagar caro a minha preguiça, mas continuo a dizer - nunca mais.
Agora o frio é que paga, mas dificulta. E não apetece fazer nada.
Quero ir ao Chiado ver as iluminações mas ainda não consegui.
Um grande abraço.
Feliz Natal para todos. Tenho um cheirinho de Natal pela casa mas ainda tudo desalinhado.
Bjs

16/12/06 21:32  
Anonymous Anónimo said...

Ola Anete
Sou muito leiga - não consigo entrar na surpresa.

Abraços

16/12/06 21:35  
Blogger Ana Ramon said...

Pois gostei do livrinho de poemas. Ainda não os li porque as tarefas são muitas. Tenho que voltar com tempo disponível. Mas lembro-me que já há muito tempo encontrei aqui uma conversa com alguém que queria publicar as tuas poesias.. Ou estou a confundir?
Parabéns
Um beijinho

16/12/06 22:38  
Anonymous Anónimo said...

Ola Anete
Já consegui. Muitos parabéns.
Depois volto e obrigada por partilhar.
Bjs

16/12/06 22:45  
Blogger anete joaquim said...

Ana
Só agora vi estes comentários. Essa conversa não era para publicação. Era uma das minhas irmãs, a quem deixei como missão, caso eu morresse antes de o ter conseguido fazer, de me compilar os poemas. Depois, publicavam ou não. Há tempos, quando andei aqui em grandes arrumações, deparei-me com a quantidade de poemas que tenho, alguns deles ainda manuscritos. Ao lê-los, apercebi-me da beleza de alguns deles e pus-me a pensar o que aconteceria depois de morrer. Será que os deitariam fora? Acho que nem os meus filhos sabem que os tenho ou onde os tenho. Andava a deixar a missão para a reforma, mas, à cautela, deixei esse "testamento" à minha irmã, que tem sensibilidade para estas coisas. Só que há um problema: não sei se ela perceberá a minha letra. Além disso, tenho montes de poemas escritos no momento de inspiração, mas sem serem "trabalhados", retocados. Por isso é que resolvi pô-los em blog. Não me consigo imaginar naquelas cenas de lançamentos de livros e sessões de autógrafos e, da poesia, pouco se vive. O blog liberta-me desses constrangimentos e vai permitindo que alguns leiam o que escrevi. Nunca os contei, mas penso que a uma média de dez por dia e sem publicar tudo o que tenho, daqui a um mês deverei ter a tarefa cumprida.
bjs

18/12/06 06:59  
Blogger Ana Ramon said...

Sim senhora! Grande produção artística. Cá ficamos todos à espera de poder ler a obra completa de poesia da Anete Joaquim :)) E que seja para breve!
Um beijinho

18/12/06 08:37  
Anonymous Anónimo said...

Mas que graça eu achei ao teu portão feito à custa dos teus dotes culinários com bacalhau!
Que portão original esse.
De certeza que ninguém tem um com esse valor de amizade!
bjs.

18/12/06 09:50  
Blogger anete joaquim said...

Maria
É um bocado aquela história de que "em terra de cegos, quem tem um olho é rei". A minha vantagem foi viver aí 15 anos e saber cozinhar pratos que, nessa altura, não eram ainda usuais (ainda não o são muito) na Madeira.
Viva o bacalhau com natas!!!!!
Beijinhos.
Esta semana trabalho. Vou ter menos tempo para cá vir.

18/12/06 12:07  

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