31 outubro 2006

Sonhos e ruínas





Quando, em 1990, comprei esta casa e trouxe cá a minha família, toda a gente viu uma casa velha e que ficava "no fim do mundo". A minha visão era completamente diferente. De carro, demoramos menos de cinco minutos a chegar ao Funchal, de autocarro 10 e a pé nuns 20 minutos chegamos ao centro. O acesso à via rápida fica a dois minutos de casa. Que mais pedir?

Quanto ao ser velha... É certo que é uma casa antiga, mas bastou pintá-la toda de novo, cimentar a entrada para o carro e a visão da minha família mudou completamente. Apesar de defenderem que deveria ter deitado umas paredes abaixo para construir espaços mais largos (coisa que nunca pensaria em fazer, porque uma das coisas de que gostei foi, exactamente, desta compartimentação que me permite ter um espaço dedicado a cada função), a casa passou a ser "um grande negócio!". E até foi. Comprei-a por nove mil contos e um ano depois já me ofereciam 15 mil. Respondi, a brincar, que só a vendia por 20 mil e a pessoa interessada respondeu imediatamente: "Tenho comprador." Quando vi que a coisa era a sério, respondi que não a vendia por preço nenhum.

Adorei a casa desde o primeiro instante. Não vi o que ela era, naquele momento. Vi o que poderia ser. Sonhei que, um dia, encontraria um homem com quem a partilhar. Com o elevado preço dos terrenos, imaginei que, num futuro distante, meus filhos quereriam construir aqui as suas casas. Bastaria subir um andar na casa principal para fazer dois T1 ou, então, construir aí uma das casas e reconstruir esta ruína (na foto) que consta da planta da casa, para outro dos filhos. Daria aqui um lindo duplex.

Hoje, essas ilusões já não têm razão de ser. Meus filhos cresceram e preferem ser "independentes". Cada um deles sonha em ficar com a casa, mas se fosse só deles. Como não estou a pensar morrer tão cedo e como imagino a dificuldade que teriam em decidir a qual deles caberia a sorte de cá ficar, não vejo que os seus sonhos se realizem.

A verdade é que, com tudo isto, esta casa perdeu, para mim, muita da sua razão de ser. Não me imagino a viver aqui sozinha, perdida nas suas 10 divisões (cozinha e casas de banhos incluídas, já para não falar na "loja" que tenho no exterior, onde tenho a lavandaria).

Só que não estava sozinha. Parte do sonho ainda existia e, então, à força de muito trabalho, fui construindo o jardim. Sonhei que este ano teria possibilidades de reconstruir a ruína, não para fazer um duplex, mas para criar ali uma zona de churrascaria fechada, onde se pudesse estar no inverno. Sonhei que conseguiria, finalmente, retirar a rede e construir um muro bonito, desde a entrada até ao miradouro. Sonhei com um novo portão e com um muro feito de pedra emparelhada, bem à moda da Madeira. Imaginei que era desta vez que iria decorar os mais de 21 metros quadrados do terraço, para ali fazer uma outra zona de estar.

Dizem que "o Homem sonha e a obra nasce", mas nem sempre é assim.

A minha vida deu uma volta tão grande que, neste momento, só tenho uma certeza: este será o último Natal que passarei nesta casa! A imagem da tenda partida parece-me uma daquelas linhas tortas com que Deus escreve, para me dizer que "a casa foi abaixo". A certeza bateu tão fundo que, nestes últimos dias, dei por mim a pensar se valerá a pena continuar a lutar pelo jardim, pela casa, pelos meus sonhos perdidos. A resposta é só uma: tenho de a deixar bonita para quem vier a seguir!

14 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Anete
Sou leitora assidua do seu blog de que gosto muito e nem queria acreditar no que estava a ler hoje...
quanta tristeza e sonhos desfeitos, logo você que tem tanta força!
E último Natal aí, porquê?
Um grande beijo.

31/10/06 10:01  
Blogger Ana Ramon said...

Acho que sim que a deves pôr bonita. E depois pensas de novo no assunto. Com mais calma... com mais distância...
Queres um dos meus sapos? Quem sabe se não está dentro de um deles um homem que sonhe o mesmo sonho que tu?
(essa de dares força a todos e depois não guardares nenhuma para ti, não vale!) Um beijinho grande

31/10/06 12:51  
Anonymous Anónimo said...

Cara Anete

Quando menina morei numa casa que eu amava. Sonhava em me casar e morar nela. Tenho maravilhosas recordações. Porém em época de vacas magras(como se chama aqui no Brasil períodos de dificuldades financeiras) tivemos que vendê-la. Hoje ela pertence a um grande empresário aqui do Pará. Todos os dias, a caminho do escritório, passo por ela e sinto uma tristeza enorme. Eu sei que devemos ser desapegados dos coisas materiais. Mais não é assim que eu a vejo, como "coisa material". Apaciente um pouco seu coração. Beijos de uma anônima que adora ler seu blog.

31/10/06 13:06  
Blogger Ezequiel Coelho said...

Anete,

a casa que agora tenho, comprei-a há dois anos e ainda não dei por terminadas as obras... (se é que algum dia darei!)
Compreendo-a muito bem (sem obviamente saber das razões efectivamente importantes que a levam a colocar a hipótese de vender a casa) porque também tenho a "meias" uma casa de campo no Ribatejo (entre Santarém e Torres Novas), que está absolutamente impecável, mas está a tornar-se cada vez mais difícil lidar com tanta despesa!... (para além de agora ter um pequeno jardim na casa de Lisboa... ;))
um abraço solidário

31/10/06 14:39  
Blogger anete joaquim said...

Maria, Ana, Anónimo e Ez

Agradeço o conforto e força que me dão, mas não se preocupem!
É a força que tenho que me leva a tomar esta decisão. O que tem de ser tem muita força! Pelo menos para mim. Não é fácil, confesso, mas estou calma. Lembram-se do post da bicicleta? Em meados de Setembro? Foi nessa altura que esta decisão se me tornou evidente. Não a quis tomar a quente, mas não deixei de pensar no assunto. Não estou com pressa! As coisas vão acontecer no seu devido tempo, mas a decisão está tomada. Já passei por outra situação idêntica, quando tive de embalar a minha casa de Lisboa sozinha, para voltar para a Madeira e começar quase do nada. A verdade é que esta decisão deixou-me um pouco vazia. "Para quê?" é a pergunta que mais me tem surgido na mente. Para quê mais esforços a continuar uma coisa que sei que terá fim? É por isso que tenho andado alheada do jardim. Ontem resolvi lá voltar. Não me vou deixar abater. Vou continuar a tratá-lo até quando for preciso. Quem vier a seguir não deixará de ter o seu jardim bonito.

Anónima, agradeço o seu olhar de tão longe e o partilhar comigo a sua história.
Os posts vão continuar. Acho que andou a exportar dessas vacas daí do Brasil, hem sua malandra?!!! Mas olhe, tenha esperança! Pode ser que um dia ainda consiga recuperar a sua casa.
um beijão

Ana
Sempre suave, sensata e madura! Mas olha, um sapo dava-me mesmo jeito agora! Acho que ando com parasitas no jardim! Um beijão, amigona. Estou bem. O pior já passou.

31/10/06 21:16  
Anonymous Anónimo said...

Boa noite Anete

Estou triste. O que terá acontecido este fim de semana? Estranhei a ausência no fim de semana.
A Anete sempre tão assertiva, empenhada, lutadora, está mesmo triste.
Tem uma vivência tão rica que doi pensar que está infeliz, triste.
Vender a casa? Pense com calma.
É o seu canto. E a casa tem uma história
Fico ao dispor.

MR

31/10/06 23:40  
Anonymous Anónimo said...

Ola Anete
Bom feriado.
E amanhã é outro dia. Cuide bem de si.
A sua frase - tenho a certeza que é o último Natal que passo...... faz-me pensar tanta coisa.
O que é que surgiu?
«Parar para continuar». Tente.
Queria ajudar, mas não sei como.
Um grande abraço e a minha amizade
MR

1/11/06 00:04  
Anonymous Anónimo said...

Ola
Foi eu, engano-me e saiu como anónima. Vá lá - tinha assinado.
Dormindo? Pensando?
Fique bem
Quero vê-la feliz.
Beijos
MR

1/11/06 00:07  
Anonymous Anónimo said...

Não sei o que aconteceu, mas continuei a aparecer como anónima.
Até amanhã
Felicidades

1/11/06 00:09  
Blogger anete joaquim said...

mr
Já ajudou! Agradeço o seu carinho e preocupações, mas não se preocupe tanto comigo. Dou a volta por cima, garanto-lhe.
Achei piada à sua frase "Tem uma vivência tão rica que doi pensar que está infeliz, triste". A mim espanta-me é como é que com essa "vivência tão rica" que tenho, não seja, de facto, uma pessoa infeliz e triste. Talvez seja porque dou por mim a pensar, muitas vezes, que "a minha vida dava um filme". Só que tenho feito disso um filme cómico. Farto-me de rir com aquilo por que já passei e ultrapassei. Quem anda a escrever o guião da minha vida tem humor negro! Só pode ser. Só me resta ir seguindo o guião com o meu humor (que não é negro, garanto!).

1/11/06 10:20  
Anonymous Anónimo said...

Bom dia
Vim olhar a buganvília. É sempre reconfortante olhar o seu jardim. E vi o seu comentário.
Sabia que a Anete ia dar a volta.
Efectivamente é uma pessoa com jeito para tanta coisa.
E tenho a certeza que também era capaz de escrever um guião para cinema.
Bom feriado.
Descanse. Também tem direito a nada fazer. (A arte de não fazer nada)
Um grande abraço
MR

1/11/06 10:56  
Blogger Lília Mata said...

Amiga,

estive uns dias sem blogs, com o meu computador mais para lá do que para cá, e hoje nem queria acreditar neste post.Espero que estejas melhor. Daqui deste lado segue um raio de sol para neteres no bolso e sentires que a vida apesar de tudo, vale a pena.
Bom, mas se não mudares mesmo de ideias em relação à casa e a quiseres vender...espero que me digas antes de colocar por aí algum anúncio :)
Anima-te. Beijinhos

3/11/06 14:36  
Blogger anete joaquim said...

lília
Obrigada pelo raio de sol. Não deixei de acreditar que a vida vale a pena. O que às vezes não vale é continuar a teimar em situações irremediáveis.
Só ainda não pus anúncio para venda da casa porque, segundo os peritos nestas matérias, ninguém compra casa no Natal. Eu, por outro lado, não estou com vontade de fazer mudanças em pleno inverno.
Em terceiro lugar, esta casa é, de facto, óptima para criar crianças, mas, no teu caso, não te aconselho a compra. A casa é demasiado grande para ti. Isto dá é para um casal com dois ou três filhos.
bjs

3/11/06 17:09  
Blogger Kelly said...

Quem me dera encontrar assim um achado para morar com a minha família...
Era o que precisávamos - uma casa bonita com um jardinzinho para eles brincarem...
Quem sabe um dia também realizo o meu sonho e encontre a minha casinha de sonho....

22/3/08 11:50  

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