11 dezembro 2008

A crise

Portugal ( e alguns países da União Europeia) corre o risco de estar a preparar uma revolução social, que mais depressa ficará conhecida como “A Matança dos Porcos”, do que por uma “Revolução dos Cravos”. O povo anda tolhido pelo medo da crise e do desemprego, mas começa a ficar revoltado com as medidas tomadas, que beneficiam os do topo, mas que não lhe chegam às mãos. Um dia o desespero tomará conta do medo e aí se verá a força das multidões iradas. O que se passa na Grécia deveria ser um alerta.

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Já se fala claramente de que a crise fará aumentar o desemprego e a precariedade laboral, mas mesmo sem crise tal iria acontecer com a entrada em vigor do novo código laboral, prevista para Janeiro de 2009. A reclamada flexibilidade laboral por parte do patronato terá agora, com a crise, mais um argumento para levar a efeito a exploração e despedimento dos trabalhadores, que, amedrontados, cada vez se deixam escravizar mais, preferindo perder direitos a perder o emprego. E isto, um dia, terá de ter um fim.

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O que mais me custa é a estupidez do patronato português. Não são empresários, mas patrões, cuja única perspectiva é a do lucro imediato. Esqueceram a função social da empresa e, com isso, põem em risco, a longo prazo, as suas próprias actividades. Porque a economia é um círculo vicioso: só se desenvolve se as pessoas tiverem dinheiro para comprar e isso só acontece se tiverem melhores ordenados, ou pagarem menos impostos, ou tiverem produtos ou crédito a preços mais acessíveis. Uma só destas condições já seria o suficiente para fazer com que a crise não nos afectasse tanto, mas no estado de recessão que se anuncia, talvez só com a junção de todas elas seja possível salvar o país. Dir-me-ão que isso é impossível, mas essa é mais uma das falácias com que se aldraba o povo.

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Vejamos. O governo alega que não pode diminuir impostos, porque isso representaria uma quebra nas receitas. Falácia! O governo perderá muito mais receita e terá muito mais despesa se o desemprego aumentar. Haverá menos consumo, menos descontos para a Segurança Social (e um aumento da despesa desta com os subsídios de desemprego) e menos impostos cobrados, quer ao nível de IRS, quer de IVA.
A pobreza não serve a ninguém.

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Dir-me-ão que as empresas, neste momento, não têm capacidade para aumentar ordenados, visto já se encontrarem em dificuldades financeiras com a actual quebra do poder de compra dos portugueses e a menor acessibilidade ao crédito.
É verdade! Mas também o é que isso só acontece devido às políticas erradas que foram seguidas nos últimos anos e que estão a ser aumentadas com a actual política que o governo está a seguir, dando incentivos a bancos e, agora, a certos sectores de actividade, mas não exigindo contrapartidas sociais por parte desses beneficiados.
Revolta-me ver o governo ter de injectar milhões na banca, que até há bem pouco tempo vinha orgulhosamente ostentando lucros fabulosos, parte dos quais conseguidos com as facilidades que tinha, em termos de impostos, em relação às outras actividades portuguesas. Revolta-me, mas compreendo que não o fazer seria o descalabro. Agora, o que defendo é que essa injecção de verbas à banca deveria ser feita com a exigência de uma maior facilidade de concessão de crédito, quer às empresas, quer aos privados. E isso não está a acontecer. Bem pelo contrário. Há empresas estranguladas por não terem capacidade de financiamento junto da Banca e essa é outra das condições que levarão muitas a fechar portas ou a ter de despedir funcionários.

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Já se começa a ver que é esse o argumento para que alguns sectores, como o automóvel, venham exigir ajuda estatal. Outros se seguirão, mas o Estado não é um saco sem fundo e, portanto, tempo virá em que terá de dizer que não tem capacidade para ajudar todos os sectores.
Por quê injectar dinheiro nuns e não o fazer nos outros? Melhor seria se tomasse medidas que abrangessem todos. A diminuição do IRC, dos descontos para a Segurança Social, do pagamento especial por conta ajudariam as empresas a sair desta crise.
Mas, não tenhamos dúvidas, com o actual patronato, essas medidas não chegariam para fazer com que o povo ficasse melhor. Apenas com que os patrões metessem mais dinheiro ao bolso. Prova disso foram os fundos comunitários que vieram para formar e desenvolver o país e que, em grande parte, em vez de servirem para melhorar as qualificações portuguesas, só serviram para enriquecer muitos dos empresários beneficiados. E essa é outra das razões para o actual fosso entre ricos e pobres e para o estado em que se encontra o País.
A situação portuguesa só melhorará quando o estado exigir que o financiamento que está a fazer à banca e às empresas, quer através da injecção de verbas, quer de redução de impostos, se reflicta no aumento dos salários. Assim, sim, beneficiaremos todos: o povo, as empresas, a banca e o próprio Estado, porque se é verdade que as exportações são vitais para a sustentabilidade do PIB, não menos verdadeiro é que a maioria das empresas portuguesas vive mais do consumo interno do que das exportações.
Veja-se o que se passa nos Estados Unidos, onde o consumo interno representa 80 por cento do PIB. Qual o respectivo valor português?

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Dizer que o País está a ser subjugado pela crise internacional é outra das falácias com que se adormece o povo. Não deixa de ser verdadeiro que a crise internacional nos afecta e ainda afectará mais nos próximos tempos, mas a verdade é que a crise já estava instalada nas famílias portuguesas há muito tempo.
Tudo começou com o euro. Apesar das muitas promessas de fiscalização que o Estado fez, a verdade é que, de um momento para o outro, o povo viu-se confrontado com o aumento dos preços, derivado de uma incorrecta aplicação das regras de conversão do escudo para o euro. Só no sector da alimentação houve, na maior parte das situações, uma duplicação das despesas das famílias e o Estado só ficou calado porque, com isso, arrecadou mais verbas, em termos de IVA.
Idêntica situação se passa com os preços do petróleo e consequentes reflexos nos preços dos combustíveis. Quanto mais altos estiverem mais impostos arrecada o Estado.

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Outros dos factores que contribuíram para o agravamento da situação familiar portuguesa foram o aumento do IVA e o congelamento de salários e carreiras na Função Pública (o que se reflecte sempre nas negociações colectivas privadas) iniciados por Manuela Ferreira Leite (e continuados por Sócrates). Muito bradou, em vão, Alberto João Jardim contra essas medidas da sua colega de partido, alegando que isso iria estrangular a economia. Que o necessário seria injectar massa monetária no mercado e não o contrário. O tempo acabou por lhe dar razão. Pouco consolo daí lhe advirá quando tiver de combater o impacto dessas medidas na actual conjuntura económica.

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Outro dos erros cometidos foi o aumento da idade de acesso à reforma, com a desculpa de que, só assim e devido ao envelhecimento da população, se garantiria a sustentabilidade da Segurança Social.
O argumento parecia plausível, mas não passou de outra falácia. É verdade que essa medida permite ao Estado arrecadar mais receita, pela simples razão de que os que há mais tempo estão no mercado laboral são em maior número e melhores ordenados têm e, portanto, maiores descontos representam.
Mas a verdade é que essa medida impede a entrada de jovens no mercado laboral e, quando o permite, é sempre à custa de ordenados muito mais baixos do que merecem ou, até, de condições de exploração desumanas, onde grassa a precariedade laboral. Os estágios não remunerados, os recibos verdes, a contratação a prazo são disso exemplo. Não só estão a impedir os jovens de planearem a sua vida (comprar casa, constituir família, adquirir bens), como agravaram substancialmente a vida dos respectivos pais, que se vêem agora obrigados a ter de repartir os seus salários ou, inclusive, as suas parcas reformas, com a obrigação de continuar a sustentar filhos, que já deveriam ter vida própria há muito tempo. Quantos jovens com mais de 30 anos continuam a viver às custas dos pais?
A extinção do crédito bonificado para compra de casa e, mais recentemente, a extinção do IAJ (Incentivo ao Arrendamento Jovem), substituído pelo “Porta 65”, cujas exigências eliminam a possibilidade de muitos jovens acederem a esses apoios, foram dois outros erros da política portuguesa em relação aos jovens.

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Ainda no âmbito da Segurança Social, lembremos os clamores que se levantaram no País, na altura em que Bagão Félix tutelava essa pasta, quanto à insustentabilidade da Segurança Social e do consequente risco futuro de diminuição das reformas. Tentou impingir-se a ideia de que a situação só seria reversível com a contratação de seguros, que garantissem melhores dias na velhice. Argumento que serve muito bem para o aumento dos rendimentos das seguradoras.
Relembre-se, no entanto, que pouco tempo depois de entrar no governo, em entrevista à RTP2, Vieira da Silva, actual ministro da pasta da Segurança Social e do Trabalho, dizia, muito baixinho, quando confrontado pelo jornalista com a tal insustentabilidade da Segurança Social, que ela não estava tão mal como isso. Até já tinha lucros. A frase foi dita tão baixinho que o jornalista nem deve ter ouvido. Mais recentemente, Vieira da Silva veio anunciar que havia um lucro de 750 milhões e ninguém o questionou sobre o tal risco de que se falava, em termos de sustentabilidade.
Agora, com a crise financeira iniciada nos Estados Unidos, veio a saber-se que a Segurança Social perdeu milhões que tinha investido nos tais “lixos tóxicos”. Moral da história: preferiu deitar-se dinheiro para o lixo em vez de aumentar as reformas.

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O subsídio solidário, dado a idosos com parcas reformas, é outra das falácias com que somos bombardeados. É apresentado sempre como um dos grandes trunfos deste governo.
É verdade que contribuiu para a melhoria do nível de vida de alguns idosos, mas quantos haverá que precisam desse apoio e não o têm, porque o Estado considera que podem ser apoiados pelos filhos? Mas alguém acredita que os filhos, mesmo tendo emprego, têm sempre condições para ajudar os pais? Numa conjuntura em que o dinheiro que recebem mal dá para viverem?

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O aumento da idade da reforma comporta uma outra contradição.
Num país onde tanto se fala da necessidade de aumentar a competitividade e produtividade, não tem cabimento manter no mercado laboral mão-de-obra cansada, com pouca formação e idosa e limitar a entrada daqueles que, com mais conhecimentos e motivação para o trabalho, garantiriam mais facilmente a concretização desses objectivos nacionais.
Isso só acontece porque a diminuição da oferta de mão-de-obra decorrente do envelhecimento da população implicaria, se o mercado funcionasse, um aumento do valor do trabalho, logo, dos salários. E esse aumento, juntamente com o reconhecimento dos direitos e deveres dos imigrantes, cujo trabalho temos necessidade de importar, mas sobre o qual não há os devidos descontos, porque a maioria nem contrato laboral tem, talvez fossem o suficiente para garantir a sustentabilidade das reformas dos actuais e futuros pensionistas.
Foi mais fácil, contudo, incutir nos jovens a ideia de que um emprego certo e bem pago é um direito a que muito poucos acederão e condicioná-los a aceitar as condições de exploração a que estão agora sujeitos.
Torna-se o país competitivo à custa das condições laborais que permitirão atrair mais investimento estrangeiro e exportações mais apetecíveis, porque a custos mais baixos. Onde andam os protestos contra a exploração da mão-de-obra chinesa? Onde pára a onda que levou ao boicote de produtos da Indonésia, pela mesma razão?
Calaram-se as vozes e seguisse-lhes o exemplo, porque é isso que mais aproveita aos patrões portugueses!

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Outro dos fenómenos que se verificou nos últimos anos foi a deslocalização das empresas para países de leste. Pura e simplesmente, devido ao menor preço da mão-de-obra.
Atente-se, contudo, no que se passou recentemente na Índia, onde uma empresa italiana recusou os reclamados aumentos de salários por parte dos trabalhadores indianos. Furiosos, porque podem ser pobres mas não são estúpidos, os trabalhadores mataram à pancada o gerente, que, por sinal, era também indiano e só cumpria as ordens que recebia.
O mais extraordinário foi a posição tomada pelo ministro indiano do Trabalho. Veio a público dizer que esse incidente deveria ser um aviso para os empresários e defendeu que os trabalhadores “devem ser tratados com compaixão e respeito”. É de um ministro desses que Portugal precisa!
Não tenhamos ilusões. O “El Dourado” das deslocalizações motivadas pelos baixos salários também terá, um dia, o seu fim, quando os trabalhadores desses países começarem a comparar os vencimentos que recebem com os dos seus colegas das empresas situadas nos países que os exploram.
Entretanto, vão-se matando postos de trabalho nos países ocidentais, Portugal incluído e, depois, brada-se aos céus com o aumento do desemprego.
E aí temos outro ponto a assinalar. Sócrates disse, recentemente, que a sua primeira prioridade era o emprego, a segunda e a terceira também. Resta saber que tipo de emprego, porque de pouco servirá criar mais postos de trabalho ou manter os actuais, se tal for feito à custa de maior exploração dos trabalhadores. Mas a verdade é que será isso que acontecerá, porque a desculpa de manutenção do emprego será feita com a ameaça da crise e muita gente preferirá ter um emprego mal pago, do que não ter nenhum.

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E, para terminar, vejamos a posição do Banco Central Europeu, que foi tão renitente em baixar os juros, com o argumento de temer o aumento da inflação, e agora se viu obrigado a fazê-lo em grande escala. Outra falácia que nos foi impingida e que levou ao agravamento da vida das famílias, principalmente das que tinham créditos na Banca.
A inflação aumentou quando o BCE desceu as taxas? Pelo contrário! Desceu tanto que já se teme a deflação, isto é, a diminuição drástica dos preços. Só servirá a quem tiver poder de compra, mas implicará que as empresas tenham de vender mais barato pura e simplesmente porque não têm compradores. Os tais que estarão no desemprego ou com salários que não lhes permitem ter luxos.

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Perguntarão vocês por que razão vos trago estes pensamentos, esquecendo o principal objectivo deste blogue, que é o do prazer e entretenimento. Por uma razão muito simples: é que, perante a gravidade da situação, não poderia fingir que tudo continua lindo e maravilhoso. Porque estas são algumas das preocupações que me têm ocupado o espírito e o tempo e impedido, ou tornado superficial, a minha vinda a este espaço.
Que o jardim sirva, neste momento, como espaço de reflexão.
Espero não ter cometido erros na análise económica e social. É o que sinto e vejo. Não tenho a formação académica que me permita melhores conhecimentos, mas também já estou farta dos erros de muitos especialistas na matéria.
Espero não ter sido demagógica. Creio nas soluções que apontei e penso que só assim se conseguirá um mundo melhor.
Confesso estar preocupada com o futuro, principalmente com o das novas gerações, embora tudo aponte para que a minha ainda tenha tempo para sentir as consequências das políticas erradas seguidas nos últimos anos.
A única coisa que espero é não ter de assistir a esses tempos.

3 Comments:

Blogger Marisa Reis said...

Infelizmente acho que todos nós iremos sentir muito depressa o efeito desta crise... tudo por culpa de uns quantos seres "superiores" a tudo e todos...

11/12/08 13:50  
Blogger Marisa Reis said...

Infelizmente acho que todos nós iremos sentir muito depressa o efeito desta crise... tudo por culpa de uns quantos seres "superiores" a tudo e todos...

11/12/08 13:51  
Blogger Espaço do João said...

Mas, isto já se esperava há muito tempo. Camuflar, camuflar é o que muitos sabem fazer.
Quanto ás laranjas, não conseguias papar todas. Tenho pena que não possas pelo menos prová-las. Quem sabe se um dia isso não acontecerá?Já tinha recebido o teu texto por e-mail. Foi atravéz da Emília, consegui entrar em bate papo com ela e, ela estava a enviar-me o texto. Esperemos melhores dias...?recebe um forte abraço e muitos beijos, mas não te esqueças que logo depois de Maio vem o S. João.
Fernanda e João

11/12/08 19:27  

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