Meu pai, que era Touro (de Abril), casou com uma Capricórnio. Bem lindinha, por sinal. Ruivinha, de olho verde esmeralda e cara pintalgada de sardas.
Da feliz união nasceram cinco Carneiros (todos de Abril), um Touro (também de Abril) e um Capricórnio. Deve ter sido exigência da mãe, que já devia sentir que meu pai queria açambarcar os aniversários todos para o mês dele!...
Para complicar a situação de Abril, dois dos meus tios maternos também são Carneiros desse mês, o meu primeiro marido faz anos no dia do meu irmão mais novo e o filho do Paulo juntou-se a eles dois. Três aniversários no mesmo dia!
A coisa complica-se ainda mais com o aniversário de um dos meus cunhados, que faz anos no mesmo dia que eu.
Mas os Carneiros não se ficam por aqui. Embora sendo de Março, o meu terceiro marido faz também parte deste signo, uma das minhas cunhadas faz anos na véspera do meu aniversário e a ela juntou-se um dos meus colegas. Que fique claro: só na questão de aniversário!
Moral da história: em Abril é um ver se te avias com mensagens e telefonemas de cá para lá; umas dores de cabeça para não esquecer o dia de ninguém e uma complicação maior para ver qual deles é que faz anos naquele dia.
A coisa, já em pequena, me fazia muita confusão e nem era tão complicada como agora. No dia de cada um, meu pai organizava "as tropas" e achava um piadão em acordar o desgraçado que fazia anos ao som de um côro ensonado do "Parabéns a você", rematado por uma salva de palmas.
No dia em que fiz 7 anos decidi que aquela história tinha de acabar. Sentia-me idiota, com o pessoal todo à minha volta, a me cantar os parabéns quase à força. Acordei bem cedinho e escondi-me. Quando meu pai chegou à minha cama... nem pó!
Bem! Não demorou muito a encontrar-me e só não me bateu porque aquele era um dia especial. Aliás, o único momento especial do dia, que nem prendas havia para ninguém. Safei-me de boa, mas ainda levei um raspanete. Nem tive coragem de lhe explicar a profundíssima e pertinente razão da minha escapadela, aquela quase angústia por me ver centro de atenções quando, no resto do ano, conseguia passar despercebida entre a numerosa prole.
Ora bem! Enquanto vivi lá em casa lá tive de me submeter à fatídica praxe do mês de Abril.
Mal me casei pus as pintinhas todas em cima dos iiiss: no meu dia de anos não havia festa nem cantaricos. A única comemoração que admiti foi ir jantar fora nesse dia. Para os outros faço a festa. Para mim, nicles, batatoides.
O meu segundo marido é que não foi na conversa e pegando à letra na minha frase, metia mãos à obra e organizava um jantar em casa, em minha honra. Organizava e fazia. Tudo! Vá lá! Assim ainda engolia a coisa! Repimpava-me e saboreava a festinha, mas lá pedia, por amor de Deus, que se esquecessem da maldita canção. Confesso: nem sempre consegui convencê-los e lá me vinha à memória a sova de que tinha escapado em pequena!
Com o terceiro a coisa voltou a estar na ordem e era dia sagrado para uma paparoca feita por especialistas de um qualquer restaurante. Até que um dia se esqueceu do tal dia. Calei-me bem caladinha, na esperança de que ele nem desse por ela. Os miúdos é que estragaram tudo com a prendinha que resolveram oferecer-me à noitinha e o desgraçado do esquecido nunca mais se perdoou da omissão. Todos os anos, telefona! Os outros dois, também, diga-se de passagem.
Veio o Paulo e resolveu que gente à minha volta é que era bom. Festeiro como é, decidiu que dia de anos sem amigos em torno da mesa não dá. Ainda resisti. Lá lhe expliquei os costumes da casa, mas não o convenci. Não tive remédio e, pela primeira vez, aceitei ser eu a fazer a minha festa. Com uma condição: nenhum dos convidados seria informado previamente da razão do encontro.
Aceitou, mas como o "previamente" não incluia o "depois", não resistiu a informar os desgraçados dos meus colegas, que até estavam a saborear a papinha, de que aquele era o meu dia de anos. Claro que ficaram todos consternados por nada me terem trazido e se terem esquecido da data.
O ano passado completei meio século. Mudei de táctica: tirei férias nessa altura. Resultou! Nenhum dos colegas se lembrou do dia.
Data mais importante que essa só os 100 e como não pretendo lá chegar decidi voltar a pôr ordem na mesa. Nada de festas! Apenas um jantar a dois, num restaurante e, depois, uma ida ao Karaoke.
E foi aí que resolvi quebrar este enguiço. Pedi para que tocassem os "Parabéns", cantado pelo Paulo e pelo animador, (que por acaso é meu colega e arregalou os olhos quando se apercebeu para quem é que ia cantar). Fui ao palco, expliquei que sempre detestara que me cantassem aquela canção, mas que queria, naquele momento, quebrar aquela malfadada fobia. Que diabo! Tinha conseguido chegar aos 50 ainda em boa forma e continuava a gostar de cá estar! A malta aderiu logo, com uma salva de palmas e uns gritinhos de alguns, a assinalar a "boa forma". LOL
E foi assim que, pela primeira vez na vida, consegui ouvir aqueles sons tão repetidos no mês de Abril, com muita alegria e um sorriso nos lábios. Confesso que adorei ouvir a sala toda a cantar, gente que nunca mais hei-de ver e que nem conhecia, a dedicar-me aquele momento. De uma coisa tinha a certeza: este ano, já nenhum deles se haverá de lembrar da data! Era seguro!
Mas atenção! Isso foi aos 50! Não se ponham com ideias! Este ano, volta tudo ao normal!
Por prevenção, até tirei umas feriazitas!
Ora bolas! Ao menos no meu dia, que não se oiça a canção tantas vezes repetida neste mês! Pelo menos para mim!
Que família! Gracinhas do meu pai!... Tinha um humor! Onde já se viu ter os filhos todos no mesmo mês?
O que se seguiu deve ser castigo por lhe ter fugido naquelas minhas sete primaveras!
Tirem-me deste filme!!!!!!